sexta-feira, 4 de novembro de 2016

MORTE DE LINDOIA - José Basílio da Gama 

Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca com a vista, e treme de encontrá-la.
Entraram enfim na mais remota, e interna 
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde, ao pé duma lapa cavernosa, 
Cobre uma rouca fonte,que murmura,
Curva latada e jasmins e rosas.
Este lugar delicioso e triste, 
Cansado de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha face na mão e a mão no tronco
Dum fúnebre cipreste, que espalhava 
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo 
Verde serpente, e lhe passeia e cinge 
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados
param cheios de temor ao longe;
nem se atrevem a chama-lá e temem
Que desperte assustada e irrite o monstro,
fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme 
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode 
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia e fere 
serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açoita o campo com a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao desperta-lá
Conhece, com que dor! No frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito. 
Os olhos, em que amor reinava, um dia, 
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes 
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto, 
E rompe em profundíssimos suspiros, 
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O aleio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido 
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante 
Um não sei quê de magoado, e triste, 
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte!


Análise:
A morte de Lindoia” é um trecho tirado de “Uruguai”, cujo autor é José Basílio da Gama. Trata-se de uma poesia épica, centrada no tema do descobrimento e colonização dos países da América latina. Esse trecho conta o caso da esposa do cacique da tribo, que após este ter sido assassinado, ela prefere morrer por amor à casar-se novamente. Podemos então, perceber no poema características árcades, como uma imensa riqueza de detalhes, exaltação da natureza e também da essência natural do homem.
É um belíssimo texto.
(O texto ficou desconfigurado por problemas no computador).

Maria Clara Menezes

9 comentários:

  1. Uma das características do arcadismo é a referência à natureza, ele cita no texto elementos naturais como flores e troncos.
    Neste treco do poema Lindoia se mostra muito triste, e acaba escolhendo a morte, sendo atacada por uma cobra.
    Achei um belo texto e triste, por ela ter perdido seu esposo escolheu morrer do que viver ao lado de outro homem.
    Maria Eduarda Porteles

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  2. Percebam o grau imagético de tal pintura: a lasciva morte por uma serpente, ao centro dum Éden, inserindo no seio de uma índia o remédio contra a melancolia que lhe impôs Amor.
    Emerson Vinhosa

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  3. Concordo com as análises anteriores em questões da interpretação. Achei interessante esse amor que Lindóia tinha por seu esposo, tanto que, quando ele morreu, ela preferiu escolher a morte à ficar ao lado de outro homem. E vale ressaltar a predominância da exaltação da natureza presente nos poemas árcades, esse olhar bucólico dos poetas para com o mundo. Sempre usando elementos da natureza, como: animais (a verde serpente) e a branda relva.
    Pedro Henrique Soares

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  4. Em ''Uruguai'' encontramos variedade, fluidez, movimento, sínteses admiráveis caracterizam os decassílabos do poema, não obstante equilibrados e serenos. Ele é o modelo do decassílabo solto dos românticos.É interessante ressaltar também a ausência de estrofes regulares, os versos brancos (sem rima), o vigor descritivo. Poema muito lindo e ao mesmo tempo triste como bem disse a Maria Eduarda.
    Naara Silva



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  5. Já conhecia esse belo poema! Ele Narra principalmente a morte da índia LINDOIA. Ela para não se entregar a outro homem, deixa-se picar por uma serpente. A figura do índio é vista como "bom selvagem", exaltando todo bem natural.
    Pedro Rodrigues.

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  6. Há trechos copiados da internet sem referência. Isso é plágio e é muito grave.

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  7. O nome da obra é "O Uraguai" e não "O Uruguai", como vocês disseram.

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  8. Um belo poema a imagética visão "bucolesca" que o autor derrama na obra é de uma significância ímpar...naturalmente natural e assim o Arcadismo bem representado em mais um recorte literário de peso.

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