sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O Amor Fino


O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e o amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. Quem ama , para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.

Padre Antônio Vieira, in "Sermões".


Análise:

Eu, particularmente, achei essa reflexão bem interessante e bela. Ela nos leva a pensar sobre o real significado de "amar". Percebe-se que Padre Vieira enfatiza algumas formas de amor, como amar por obrigação ou por interesse. Entende-se que "Amor Fino" no caso, seria então o amor puro, um amor sem segundas intenções ou esperando algo em troca.

Maria Clara Menezes

Soneto a Nosso Senhor / Gregório de Matos.

SONETO A NOSSO SENHOR.

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido
Vos tem a perdoar mais empenhado.

Se basta a voz irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história.

Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,
Recobrai-a; e não queirais pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.


Análise: 
No poema postado acima, vejo um grande sentimento de culpa por parte do autor, ao ter pecado, prometendo assim redimir-se. Ele revela uma preocupação com a salvação espiritual do homem. Há uma clemência pelos pecados cometidos e uma alegação de que, sem o mesmo, a glória divina se dá ao fim. ´
Na primeira frase do texto, há uma exposição de ideias opostas: ao mesmo tempo que o autor afirma ter pecado, diz não ter cometido o ato (antítese), uma das características barrocas.

domingo, 25 de setembro de 2016

Padre Antônio Vieira - Sermão da Sexagésima

Sermão da Sexagésima (1655)

Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit, porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos. O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto. Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam com pregar na Pátria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos: Exiit seminare. (...) Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? (...)


Análise:
O sermão possui 10 partes e trata-se da arte de pregar. Inicialmente, Padre Antônio Veira questiona o porquê da Palavra de Deus "fazer pouco fruto". Ele atribui a esse questionamento três possibilidades de resposta: as falhas podem ser do pregador, do ouvinte ou de Deus. É necessário,
- Para que uma alma se converta:

  1. Pregador - apresentar a doutrina, persuadindo;
  2. Ouvinte - compreender a mensagem;
  3. Deus - permitir a compreensão.
- Para o homem ver-se a si mesmo:
  1. Olhos - para enxergar;
  2. Espelho - para refletir;
  3. Luz - iluminar o ambiente para que se veja.
Analisando os dois esquemas, percebe-se a relação entre eles: os olhos correspondem ao ouvinte, que entra com o conhecimento; o espelho corresponde ao pregador, que entra com a doutrina; a luz corresponde a Deus que, através da graça, ilumina o entendimento do ouvinte. Para ele, a palavra de Deus era como uma semente, que deveria ser semeado pelo pregador. Por fim, o padre chega à conclusão de que, se a palavra de Deus não dá frutos no plano terreno a culpa é unica e exclusivamente dos pregadores que não cumprem direito a sua função.

Emerson Vinhosa dos Santos.

sábado, 24 de setembro de 2016

GREGÓRIO DE MATOS


Triste Bahia

    Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
    Estás e estou do nosso antigo estado!
    Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
    Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

    A ti trocou-te a máquina mercante,
    Que em tua larga barra tem entrado,
    A mim foi-me trocando, e tem trocado,
    Tanto negócio e tanto negociante.

    Deste em dar tanto açúcar excelente
    Pelas drogas inúteis, que abelhuda
    Simples aceitas do sagaz Brichote.

    Oh se quisera Deus que de repente
    Um dia amanheceras tão sisuda 

    Que fora de algodão o teu capote!
Análise - Pedro Henrique

No soneto acima, Gregório de Matos faz uma crítica a Bahia pela situação econômica que passava, especialmente de Salvador, graças a expansão econômica. Na segunda estrofe do poema, ele quis dizer que as pessoas estão sendo trocadas pelo mercado, que os negócios têm sido mais importantes que seus habitantes. Gregório ganhou o apelido de "Boca do Inferno" porque fazia críticas contundentes aos problemas que se apresentavam na cidade da Bahia, aos desmandos, à corrupção, à toda licenciosidade que havia na cidade, como o soneto mostra.