Sermão da Sexagésima (1655)
Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina. Bem parece este
texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit, porque no dia da messe
hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos. O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que
dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também
das passadas colhe fruto. Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os
que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam
com pregar na Pátria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a
semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do
Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos: Exiit seminare. (...) Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da
parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos:
há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo;
há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos,
espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode
ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão
entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário
espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre
com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três
concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por
parte do pregador, ou por parte de Deus? (...)
Análise:
O sermão possui 10 partes e trata-se da arte de pregar. Inicialmente, Padre Antônio Veira questiona o porquê da Palavra de Deus "fazer pouco fruto". Ele atribui a esse questionamento três possibilidades de resposta: as falhas podem ser do pregador, do ouvinte ou de Deus. É necessário,
- Para que uma alma se converta:
- Pregador - apresentar a doutrina, persuadindo;
- Ouvinte - compreender a mensagem;
- Deus - permitir a compreensão.
- Para o homem ver-se a si mesmo:
- Olhos - para enxergar;
- Espelho - para refletir;
- Luz - iluminar o ambiente para que se veja.
Analisando os dois esquemas, percebe-se a relação entre eles: os olhos correspondem ao ouvinte, que entra com o conhecimento; o espelho corresponde ao pregador, que entra com a doutrina; a luz corresponde a Deus que, através da graça, ilumina o entendimento do ouvinte. Para ele, a palavra de Deus era como uma semente, que deveria ser semeado pelo pregador. Por fim, o padre chega à conclusão de que, se a palavra de Deus não dá frutos no plano terreno a culpa é unica e exclusivamente dos pregadores que não cumprem direito a sua função.
Emerson Vinhosa dos Santos.