segunda-feira, 14 de novembro de 2016

CARTAS CHILENAS: EXPLICAÇÃO, TRECHOS E ANÁLISE.

As Cartas Chilenas encontram-se entre os melhores textos satíricos da língua portuguesa. Poema incompleto, o livro trata da corrupção de Luís da Cunha Meneses, governador da Capitania de Minas Gerais entre 1783 e 1788. Escrita sob anonimato - para evitar represálias, evidentemente - e permanecida inédita até 1845, durante muito tempo polemizou-se sobre a sua autoria, que um certo consenso atribui a Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Nela, Chilenas querem dizer Mineiras: Chile seria Minas Gerais; Santiago, Vila Rica. Os personagens também tentam despistar a inspiração: o governador ficou ilustrado por Fanfarrão Minésio; o autor se autodenomina de Critilo; o destinatário das cartas chama-se Doroteu.
 São 13 cartas escritas em decassílabos brancos (sem rimas). Os costumes da cidade de Vila Rica são expostos de modo caricato e impiedoso, sobretudo os atos grosseiros e os desmandos da aristocracia. Seus temas se anunciam a cada carta: a entrada de Fanfarrão no Chile; a fingida piedade inicial deste a fim de angariar negócios; suas violências e injustiças; o casamento do futuro rei d. João 6o e Carlota Joaquina; as desordens e brejeirices de Fanfarrão. Autor revolucionário em certa medida, Gonzaga faz da literatura aqui um modo de combate, um meio que julga capaz de transformar a ordem que não lhe é conveniente: "Um D. Quixote pode desterrar do mundo as loucuras dos cavaleiros andantes; um Fanfarrão Minésio pode também corrigir a desordem de um governador despótico”, diz o poeta no prefácio.

Ex.:

CARTA lª
Em que se descreve a entrada que fez Fanfarrão em Chile.

"Amigo Doroteu, prezado amigo,
Abre os olhos, boceja, estende os braços
E limpa das pestanas carregadas
O pegajoso humor, que o sono ajunta.
5 -- Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
Ergue a cabeça da engomada fronha,
Acorda, se ouvir queres coisas raras.
"Que coisas ( tu dirás ), que coisas podes
Contar que valham tanto, quanto vale
10 -- Dormir a noite fria em mole cama,
Quando salta a saraiva nos telhados
E quando o sudoeste e outros ventos
Movem dos troncos os frondosos ramos?"
É doce este descanso, não to nego.
15 -- Também, prezado amigo, também gosto
De estar amadornado, mal ouvindo
Das águas despenhadas brando estrondo,
E vendo, ao mesmo tempo, as vãs quimeras,
Que então me pintam os ligeiros sonhos.
20 -- Mas, Doroteu, não sintas que te acorde;
Não falta tempo em que do sono gozes:
Então verás leões com pés de pato,
Verás voarem tigres e camelos,
Verás parirem homens e nadarem
25 -- Os roliços penedos sobre as ondas.
Porém que têm que ver estes delírios
Co'os sucessos reais, que vou contar-te?
Acorda, Doroteu, acorda, acorda;
Critilo, o teu Critilo é quem te chama:
30 -- Levanta o corpo das macias penas;
Ouvirás, Doroteu, sucessos novos,
Estranhos casos, que jamais pintaram
Na ideia do doente, ou de quem dorme,
Agudas febres, desvairados sonhos."
(...)

105 -- Os grandes do país, com gesto humilde,
Lhe fazem, mal o encontram, seu cortejo;
Ele austero os recebe, só se digna
Afrouxar do toutiço a mola um nada,
Ou pôr nas abas do chapéu os dedos.
110 -- Caminha atrás do chefe um tal Robério,
Que entre os criados tem respeito de aio:
Estatura pequena, largo o rosto,
Delgadas pernas e pançudo ventre,
Sobejo de ombros, de pescoço falto;
115 -- Tem de pisorga as cores, e conserva
As bufantes bochechas sempre inchadas.
Bem que já velho seja, inda presume
De ser aos olhos das madamas grato.
E o demo lhe encaixou que tinha pernas
120 -- Capazes de montar no bom ginete
Que rincha no Parnaso. Pobre tonto!
Quem te mete em camisas de onze varas?
Tu só podes cantar, em coxos versos
E ao som da má rabeca, com que atroas
125 -- Os feitos do teu amo e os seus despachos.

"Ao lado de Robério, vem Matúsio,
Que respira do chefe o modo e o gesto.
É peralta rapaz de tesas gâmbias,
Tem cabelo castanho e brancas faces,
130 -- Tem um ar de mylord e a todos trata
Como a inúteis bichinhos; só conversa
Com o rico rendeiro, ou quem lhe conta
Das moças do país as frescas praças.
Dos bolsos da casaca dependura
135 -- As pontas perfumadas dos lencinhos,
Que é sinal, ou caráter, que distingue
Aos serventes das casas dos mais homens,
Assim como as famílias se conhecem
Por herdados brasões de antigas armas."
(...)

ANÁLISE: Durante toda a primeira carta, o leitor é apresentado ao Fanfarrão. É possível perceber que o novo governante é totalmente inadequado para governar as Minas Gerais. O texto gira em torno da chegada do mesmo em Santiago do chile (Vila Rica) e sua prepotência ao tratar as pessoas da região.
Além do teor satírico, na carta há predomínio da razão, devido ao iluminismo. Ela é tida como crônica de um tempo marcado pela corrupção, pela política de favorecimento e pelo abuso do poder.
A influência dos iluministas franceses se mostra clara aqui. Gonzaga teria se inspirado no estilo satírico de Voltaire e nas Cartas Persas (1721), do Barão de Montesquieu (1689‐1755), para intitular seu poema.

PEDRO RODRIGUES E MARIA CLARA MENEZES.

5 comentários:

  1. O nome Cartas Chilenas é usado para situar os acontecimentos no Chile. O poema está dividido em treze cartas dirigidas pelo poeta Critilo (pseudônimo do autor) a seu amigo Doroteu (Cláudio Manuel da Costa), sendo que das cartas 7ª e 13 ª só ficaram fragmentos. É interessante ressaltar também que todos os personagens reais aparecem com pseudônimos, não só Gonzaga e Cláudio. Além de serem poemas escritos numa linguagem satírica e agressiva, circulando pouco antes da Inconfidência Mineira.

    Naara Silva

    ResponderExcluir
  2. As Cartas Chilenas são num total de 13 cartas escritas por Tomás Antônio Gonzaga o qual usava o pseudônimo de Critilo, no entanto, esse pseudônimo ficou por muito tempo obscuro. Tais Cartas relatavam os desmandos, os atos corruptos, o abuso do poder, a falta de conhecimento dos cidadãos e tantos outros erros administrativos, jurídicos e morais do governador.

    Emerson Vinhosa

    ResponderExcluir
  3. Na carta acima, como já diz em sua explicação "Em que se descreve a entrada que fez Fanfarrão em Chile.", retrata a entrada de um novo governante em Minas Gerais. Essas cartas utilizam muitos pseudônimos, como já vistos nas análises anteriores. E é notável que o novo governante não é o mais adequado, além de ser taxado de "Fanfarrão" por todos os erros administrativos (corrupção, abuso do poder, entre outros) que cometeu.

    Pedro Henrique Soares

    ResponderExcluir
  4. As Cartas Chilenas são poemas satíricos, que circularam em Vila Rica por meio de manuscritos, em 1789. São conhecidas treze cartas, sendo que sete foram impressas pela primeira vez em 1845, por iniciativa do escritor chileno Santiago Nunes Ribeiro. A totalidade das cartas teve a publicação em 1863, por Luís Francisco da Veiga, seguindo um manuscrito de seu pai, Saturnino da Veiga, que fora contemporâneo dos Inconfidentes.
    Por bastante tempo discutiu-se a autoria das Cartas Chilenas. A dúvida só acabou após estudos de Afonso Arinos e, principalmente, de Rodrigues Lapa, comparando a obra com cada um dos elementos do "Grupo Mineiro", possíveis autores, quando se concluiu que o verdadeiro autor é Tomás Antônio Gonzaga.
    Referência: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cartas_Chilenas

    Maria Eduarda Porteles

    ResponderExcluir
  5. Parabéns, pessoal! Esta semana estava tudo ótimo!
    Maria Clara, só faltou você.

    ResponderExcluir